Encerrando
a série de 3 artigos que tratam da contabilização de alguns dos reflexos da
crise da pandemia da covid-19 sobre a posição patrimonial e
financeira, bem como sobre o desempenho das entidades, consequentemente, sobre
as expectativas quantos aos seus fluxos de caixa futuros, apresentamos, neste último artigo, alguns aspectos
relacionados à identificação e à modificação de contratos, à luz do que
prescreve o Pronunciamento Técnico CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente
(CPC 47).
A
temática ora discutida revela-se fundamental, diante de um cenário marcado pela
retração econômica e por inúmeras mudanças nas mais diversas relações
comerciais. Cancelamento de contratos, modificações nos termos previamente
acordados, mudanças nas condições dos clientes, dentre outros impactos, têm
ocorrido nos mais diversos segmentos, a exemplo do turismo, ensino e
entretenimento, impondo enormes desafios para a gestão das entidades afetadas,
em especial para as pequenas e médias, e, consequentemente, para a contabilidade,
pois esta, em meio às inúmeras incertezas existentes, deve gerar informações capazes de auxiliar na
superação desses desafios.
Identificação
e Modificação de Contratos de Venda
As receitas devem ser contabilizadas
observando tanto os critérios jurídico-tributários quanto aqueles prescritos
pelo CPC 47. Isso pode até parecer estranho para boa parte dos profissionais de
contabilidade, mas, o fato é que a tão conhecida receita bruta é diferente da
receita contábil, definida no âmbito das normas contábeis atualmente vigentes.
A receita bruta deverá
observar critérios jurídicos-tributários, desse modo, ocorrendo o negócio, a
transação, a operação, ela, a receita bruta, deverá ser reconhecida e mensurada
considerando os contornos jurídicos que lhe sejam próprios. Para fins
exclusivamente contábeis, o CPC 47 prescreve que a receita deve ser reconhecida
de maneira que seja possível descrever
adequadamente a transferência do controle dos bens e serviços para o
cliente (o que pode não coincidir com a transferência da propriedade) e
mensurada de modo a refletir a
contraprestação que a entidade espera receber (o que pode ser
diferente do valor constante na nota fiscal, p.ex.), o que requer o exercício
de um julgamento criterioso.
Na escrituração
comercial, os contadores deverão registrar a receita bruta, em observância ao inciso I do art. 187 da Lei nº
6.404, de 1976 (Lei das S.A.), ao art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, bem
como ao disposto no parágrafo 112-A do CPC 47. Eventuais divergências entre a
receita bruta e a receita contábil
(receita líquida) deverão ser registradas como um ajuste, à crédito ou à
débito, conforme o caso, a fim de permitir a coexistência desses números na
escrituração comercial e evitar possíveis interferências nas demonstrações
contábeis, sobretudo, na Demonstração do Resultado do Exercício.
Pois bem, feitas essas
observações iniciais, e que serão melhor explicitadas nos exemplos, passemos a
tratar da aplicação do CPC 47. O primeiro aspecto de interesse refere-se à identificação do contrato. De acordo
com o item 9 desse pronunciamento, a contabilização dos efeitos de um contrato
com um cliente somente deverá ocorrer se todos os critérios ali estabelecidos
forem atendidos. Dentre eles, o contido na alínea “e” merece nossa atenção,
pois, ele estabelece que tal contabilização só deverá ocorrer “quando for provável que a entidade receberá
a contraprestação à qual terá direito em troca dos bens ou serviços”.
Perceba que, em meio à crise da covid-19, em muitos casos, infelizmente, tal
critério poderá não ser atendido.
O item 9 ainda prescreve
que a avaliação acerca da ocorrência dessa situação deve considerar,
exclusivamente, a capacidade e a intenção do cliente de realizar o pagamento da
contraprestação. Como se vê, não se trata, necessariamente, de um julgamento
contábil, mas sim, quanto ao risco do cliente. Portanto, caberá à empresa
analisar cada operação de venda, a fim de definir o grau desse risco.
Outrossim, nessa
avaliação, é possível que a empresa concorde em reduzir o preço firmado
originalmente na transação. Neste caso, essa concessão será tratada como uma
contraprestação variável[1]. Como exemplo, imagine a
situação em que a empresa conceda um abatimento para evitar o cancelamento da
venda ou de um contrato de prestação de serviços.
Observe que não estamos
tratando do reconhecimento das perdas de recebíveis, tal qual discutimos no
nosso artigo anterior (parte II), mas sim, do próprio reconhecimento da receita. Perceba, neste caso, sequer haverá o
reconhecimento do recebível. Se a venda (de bens ou serviços) não atender aos
requisitos exigidos no item 9, a receita não será reconhecida ou poderá ser por
um valor inferior ao constante na nota fiscal ou no contrato, por exemplo. Esse
é o ponto!
Bem, na hipótese em que o
contrato não tenha atendido esses requisitos, a empresa deverá continuar
realizando a avaliação para verificar se esses requisitos serão atendidos
posteriormente. Outrossim, havendo qualquer recebimento, ele deverá ser
reconhecido como um passivo, o qual, de acordo com o item 16 do CPC 47,
representará “a obrigação de transferir
os bens ou serviços para o cliente no futuro ou de restituir a contraprestação
recebida do cliente”. Lembra da contabilização dos adiantamentos de
clientes? Então! É muito semelhante!
Tal passivo somente será
reconhecido como receita se (item 15):
(i)
A empresa não possuir obrigações
remanescente relativamente à transferência de bens ou serviços ao cliente, e a respectiva
contraprestação tiver sido recebida, total ou praticamente em sua totalidade; ou
(ii)
O contrato for rescindido. Vale ressaltar
que, em ambas as situações, é necessário que a contraprestação recebida não
seja restituível, isto é, que a contraprestação pertença à empresa e,
portanto, deva ser incorporada ao seu patrimônio.
Vale
destacar que, em princípio, se a venda atendeu aos requisitos do item 9 no
início do contrato, não é necessário reavaliar essa situação, exceto se
sobrevier uma mudança significativa nas condições consideradas na análise
inicial. O fato é que, para muitas operações, é o que justamente está ocorrendo
com os impactos econômicos da crise da pandemia da covid-19.
Nestes casos, é
necessário que o contador avalie, juntamente com a direção e demais
colaboradores da empresa, cada contrato em curso. É bem verdade que, para uma
grande parcela das operações de venda de bens, o impacto a ser reconhecido será
a perda estimada associada ao recebível, conforme vimos no nosso artigo
anterior (parte II), mas, para contratos
continuados de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, é possível
que, a partir do ponto em que se verifique a mudança nas condições do cliente,
nenhuma receita seja reconhecida e que eventuais recebimentos tenham que ser
reconhecidos como passivo, em um primeiro momento.
Outros reflexos
decorrentes da crise da covid-19 também poderão ser vistos nos cancelamentos ou
modificações de contratos. Tais
reflexos já são sentidos em alguns segmentos, como os de shows, festas, turismo,
academias de ginástica, escolas, faculdades, cursos etc. Havendo cancelamentos,
deve-se avaliar os termos contratuais e legais quanto à devolução de valores
eventualmente recebidos. O que, em princípio, não exige um grande esforço para
reconhecer e mensurar os respectivos efeitos contábeis. Contudo, a modificação de contratos requer uma
maior atenção, pois, há critérios específicos previstos no CPC 47 para a
contabilização dos seus efeitos. Vejamos.
Conforme o item 18 desse
pronunciamento, uma modificação de contrato consiste na “alteração no alcance ou no preço (ou ambos) de contrato que seja aprovada pelas partes do contrato.[...]
A modificação de contrato existe quando
as partes do contrato aprovam a modificação que cria novos direitos e obrigações executáveis das partes do contrato
ou que modifica direitos e obrigações
executáveis existentes” (grifos nossos).
Havendo uma modificação
contratual, como por exemplo, a renegociação com o cliente quanto ao objeto, prazos
e valores contratados, como no caso de adiamento de eventos, suspensão de aulas,
alteração de produtos ou redução de preços, o primeiro passo será avaliar se
tal modificação enquadrar-se-á na definição contida no item 18. Para tanto, será
necessário que o contador realize uma avaliação criteriosa, a fim de verificar
se, de fato, terá ocorrido uma modificação e se esta criará ou modificará
direitos e obrigações executáveis.
Feita essa avaliação e,
de fato, restar configurada uma modificação contratual, o contador deverá definir
o tratamento contábil mais adequado a ser aplicado. Para tanto, deverá avaliar
se a modificação caracterizar-se-á como um contrato
em separado, um novo contrato com a
rescisão do contrato existente ou, simplesmente, parte do contrato existente. Vamos entender um pouco mais sobre
isso.
A modificação contratual
deverá ser tratada como um contrato
separado somente se o alcance
do contrato tiver aumentado devido à inclusão de bens ou serviços distintos[2] e se,
consequentemente, o aumento no preço pactuado refletir os preços de venda
individuais desses bens ou serviços e quaisquer ajustes apropriados desse preço
para refletir as circunstâncias do contrato específico (item 20, CPC 47). Neste
caso, não há muito o que se discutir, pois, teremos a aplicação dos critérios
atinentes à contabilização de novos contratos, isto é, a modificação será
tratada como uma nova operação de venda de bens u serviços. Por isso, considerando
a proposta do presente artigo, não nos aprofundaremos neste tópico específico.
Contudo, se a modificação contratual não contemplar a inclusão de
bens ou serviços distintos ou a alteração do preço não refletir os preços de venda individuais dos bens ou serviços
incluídos, o tratamento a ser conferido à tal modificação dependerá dos
bens ou serviços prometidos no contrato original que ainda não tiverem sido transferidos
na data dessa modificação. Vejamos.
Se os bens ou serviços
ainda não transferidos forem distintos daqueles já transferidos,
a modificação contratual deverá ser tratada como a rescisão do contrato existente e a criação de novo contrato. Neste
caso, o valor da contraprestação a ser alocado às obrigações de performance[3] ainda não satisfeitas,
será a soma da (alínea “a”, item 21, CPC 47):
(i)
contraprestação prometida pelo cliente (incluindo quantias já recebidas do
cliente) incluída na estimativa do preço da transação do contrato original e que
ainda não tenha sido reconhecida como receita; e
(ii)
contraprestação prometida como parte da modificação do contrato.
Por outro lado, se os
bens ou serviços remanescentes não forem distintos daqueles já transferidos,
ou seja, todos representavam uma única obrigação de performance, a modificação
contratual deverá ser tratada como se fosse parte do contrato existente. Nessa situação, tem-se que o efeito
sobre o preço da transação e sobre a mensuração pela entidade do progresso em
relação à satisfação completa da obrigação de performance deverá ser
reconhecido como ajuste da receita (seja
como aumento ou redução da receita) na data da modificação do contrato (ou
seja, o ajuste da receita é feito em base cumulativa) (alínea “b”, item 21,
CPC 47).
Vale ressaltar que, se o
contrato, eventualmente, sofrer modificação cujas características exijam a
aplicação de tratamentos contábeis distintos, o contador deverá segregar tais
modificações e contabilizar os efeitos correspondentes de acordo com a regra
contábil pertinente.
Por fim, vale observar
que, havendo redução de preços sem que tenha sido verificada uma modificação
contratual, conforme definição do CPC 47, temos que tal redução deverá ser
alocada, via de regra, a cada obrigação de performance, utilizando o mesmo critério adotado no início do contrato, o que
deve ser feito, de maneira geral, com base nos preços de venda individuais dos
bens e serviços objeto do contrato. Sendo assim, em relação à parcela da
obrigação de performance já satisfeita e, portanto, cuja receita já tenha sido
reconhecida, uma redução da receita deverá
ser reconhecida no período em que ocorrer a alteração no preço de transação.
Para ilustrar parte do
que comentamos até aqui, apresentamos, a seguir, um exemplo que trata da
contabilização de uma modificação de contrato.
Exemplo
Considere que a escola
ABC Ltda. possuísse 2.000 alunos, cujos respectivos contratos de anuais
totalizassem, em média, R$ 12.000,00 (mensalidade de R$ 1.000,00).
Assumindo a incidência de
8,65% (ISS, PIS/Pasep e Cofins) à título de tributos sobre a receita bruta e a
inexistência de qualquer outra parcela fixa ou variável de contraprestação,
teríamos um preço de transação na
ordem de R$ 10.962,00, o que resultaria um valor mensal de R$ 913,50. Neste
nosso exemplo, o preço de transação corresponderia, em um primeiro o momento,
à receita contábil, ou seja, à receita
líquida, nossa velha conhecida.
Vamos supor que por conta
da pandemia da covid-19, a escola tivesse antecipado as férias de julho para o
mês de abril e que, em razão da continuidade das medidas de isolamento social,
tivesse optado pela realização de aulas não presenciais para os meses de maio,
junho e julho, e que, por isso, tivesse concedido um desconto de 30% nas
mensalidades desses meses. Tudo isso com aprovação dos pais dos alunos.
Ao avaliar essas
alterações, o contador teria concluído que elas poderiam ser consideradas
modificações de contrato conforme o CPC 47, pois, teriam sido aprovadas pelas
partes e que teriam modificado direitos e obrigações existentes, seja pela
redução no valor do contrato, seja pelo fato de que 3 meses letivos iriam
passar a ser não presenciais.
Nessa avaliação, o
contador também teria considerado que não se trataria de um novo contrato,
pois, não teria havido a inclusão de um serviço diferente, distinto, uma vez
que, muito embora a modalidade de fornecimento tivesse sido modificada, ainda se
trataria dos serviços educacionais contratados originalmente, ou seja, segundo
o julgamento feito por ele, não estaríamos diante de uma nova obrigação de
performance. Ademais, não teria ocorrido um aumento no preço pactuado, muito
pelo contrário, tal preço teria sido reduzido. Diante de todas essas
características, o contador teria
chegado à conclusão de que a modificação contratual deveria ser contabilizada
como parte do contrato existente.
Perceba, esse é o ponto
crítico! A avaliação quanto à existência ou não de uma modificação contratual,
bem como quanto às características de tal modificação, são cruciais para a
determinação do tratamento contábil a ser conferido. Aqui, de fato, cabe muita
subjetividade. Desse modo, a questão principal é que essa avaliação deve ser
realizada de forma responsável, criteriosa e com base em elementos confiáveis.
Um detalhe não considerado ou interpretado sob uma perspectiva diferente pode
resultar em um julgamento distinto ou, até mesmo, inadequado.
Por exemplo, se
entendêssemos que as aulas não presenciais seriam uma outra obrigação de
performance, por apresentarem características distintas da modalidade
presencial, poderíamos considerar que, para tais aulas, teríamos a rescisão
parcial do contrato original e a criação de um novo contrato. É possível? A
depender das circunstâncias, sim! Em verdade, no final das contas, o que
importa realmente é a transparência quanto ao julgamento que foi feito e a
confiabilidade dos elementos que o suportaram. Contudo, em casos como este, para
evitar distorções indesejadas em razão da aplicação de tratamentos contábeis
distintos para situações semelhantes (o que pode oferecer oportunidades para a
manipulação da informação), é importante que os parâmetros a serem observados no
julgamento envolvendo tais situações sejam claramente definidos no âmbito das
políticas contábeis da empresa[4].
Dando sequência ao
exemplo, vamos considerar que, para os meses de janeiro a abril, o
reconhecimento da receita tivesse ocorrido normalmente, conforme os seguintes lançamentos
contábeis:
Mensalidades a Receber
|
Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
$$$$$
|
|||
2.000.000
|
2.000.000
|
|||
$$$$$
|
$$$$$
|
|||
Tributos s/Receita Bruta a Recolher
|
Tributos s/Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
$$$$$
|
|||
173.000
|
173.000
|
|||
$$$$$
|
$$$$$
|
|||
Portanto, para cada um
dos meses de janeiro a abril, teríamos a seguinte composição:
Janeiro
|
Fevereiro
|
Março
|
Abril
|
Total
|
|
Receita Bruta
|
2.000.000
|
2.000.000
|
2.000.000
|
2.000.000
|
8.000.000
|
(-) Tributos s/Receita Bruta
|
(173.000)
|
(173.000)
|
(173.000)
|
(173.000)
|
(692.000)
|
Receita
Líquida (Receita Contábil – CPC 47)
|
1.827.000
|
1.827.000
|
1.827.000
|
1.827.000
|
7.308.000
|
O desconto de 30%
concedido sobre as mensalidades dos meses de maio, junho e julho,
corresponderia ao total de R$ 900,00 por aluno. Muito embora tal desconto
tivesse tomado como referência a mensalidade, o seu efeito sobre o contrato
deve ser analisado sob a perspectiva da anualidade. Observe que, no exemplo, a
modificação contratual foi caracterizada como parte do contrato existente,
portanto, neste caso, o efeito do desconto sobre o preço da transação e sobre a
mensuração do progresso em relação à satisfação completa da obrigação de
performance deverá ser reconhecido como ajuste da receita na data da modificação
do contrato.
Em outras palavras, os R$
900,00 deveriam ser alocados ao longo do ano, afetando tanto a receita já
reconhecida (janeiro a abril) como aquela que irá ser reconhecida (maio a
dezembro). Sendo assim, teríamos o seguinte:
Contrato Original
|
Contrato Modificado
|
|
Anualidade
|
12.000,00
|
11.100,00
|
Tributos (8,65%)
|
(1.038,00)
|
(960,15)
|
Preço de Transação
|
10.962,00
|
10.139,85
|
Receita Líquida Anual Total
|
21.924.000,00
|
20.279.700,00
|
Receita Líquida Mensal Total
|
1.827.000,00
|
1.689.975,00
|
A diferença entre as
mensalidades corresponde ao efeito total do desconto, considerando, inclusive,
a redução da tributação sobre a receita, ou seja, o desconto de R$ 900,00
proporciona uma redução efetiva de R$ 822,15 no preço do contrato, uma vez que
ele reduz a base de cálculo dos tributos, gerando uma economia de R$ 77,85.
Considerando todos os alunos, essa economia seria de R$ 155.700,00 para todo
ano (ou R$ 12.975,00 ao mês), de modo que o efeito total do desconto resultaria
uma redução efetiva de R$ 1.644.300,00 na receita anual. Diante dessa situação,
a ABC passaria a reconhecer uma receita (líquida) de R$ 1.689.975,00 a partir
do mês de maio.
Contudo, perceba que,
como o efeito deve ser considerado para todo o contrato, a ABC deveria realizar
um ajuste cumulativo relativamente à receita já reconhecida (janeiro a abril),
no caso, um ajuste negativo, no valor de R$ 548.100,00, que seria reconhecido
já no mês de maio, afetando, portanto, a receita nesse mês, cujo valor
efetivamente reconhecido deveria ser na ordem de R$ 1.141.875,00 (1.689.975,00
– 548.100,00).
De forma mais simples,
poderíamos também considerar a receita total que deveria ser reconhecida até
maio e deduzir o que já teria sido reconhecido até abril. O
resultado representaria a receita a ser reconhecida, a qual, neste exemplo,
como posto acima, seria no valor de R$ 1.141.875,00, líquido dos tributos
{[(20.279.700,00/12) x 5] – 7.308.000,00}.
Vejamos a configuração do registro da receita
na escrituração contábil, para os meses de maio, junho e julho:
Maio
|
Junho
|
Julho
|
|
Receita Bruta
|
2.000.000
|
2.000.000
|
2.000.000
|
(-) Tributos s/Receita Bruta
|
(121.100)
|
(121.100)
|
(121.100)
|
(-) Desconto Concedido
|
(600.000)
|
(600.000)
|
(600.000)
|
(+/-) Ajuste da Receita Bruta – Modificação de
Contratos
|
(137.025)
|
411.075
|
411.075
|
Receita
Líquida (Receita Contábil – CPC 47)
|
1.141.875
|
1.689.975
|
1.689.975
|
Eis os lançamentos para o mês de maio:
Mensalidades a Receber
|
Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
8.000.000
|
|||
1.262.975
|
2.000.000
|
|||
$$$$$
|
10.000.000
|
|||
Ajuste da Receita Bruta Modificação
de Contratos
|
Descontos Concedidos
|
|||
137.025
|
600.000
|
|||
Tributos s/Receita Bruta a Recolher
|
Tributos s/Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
692.000
|
|||
121.100
|
121.100
|
|||
$$$$$
|
813.100
|
|||
Para os meses de junho (a)
e julho (b), teríamos:
Mensalidades a Receber
|
Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
10.000.000
|
|||
(a)1.811.075
|
2.000.000(a)
|
|||
(b)1.811.075
|
2.000.000(b)
|
|||
$$$$$
|
14.000.000
|
|||
Ajuste da Receita Bruta Modificação
de Contratos
|
Descontos Concedidos
|
|||
137.025
|
600.000
|
|||
411.075(a)
|
(a) 600.000
|
|||
411.075(b)
|
(b) 600.000
|
|||
685.125
|
1.800.000
|
|||
Tributos s/Receita Bruta a Recolher
|
Tributos s/Receita Bruta
|
|||
$$$$$
|
813.100
|
|||
121.100(a)
|
(a)121.100
|
|||
121.100(b)
|
(b)121.100
|
|||
$$$$$
|
1.055.300
|
|||
Como a receita bruta tem
seu registro obrigatório, em razão observância do disposto no inciso I do art.
187 da Lei das S.A. e no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, bem como de
acordo com o parágrafo 112-A do CPC 47, e pelo fato de que ela difere da
receita contábil, é preciso efetuar ajustes a fim de conciliar as eventuais
diferenças.
No presente exemplo, tais
diferenças decorrem dos tributos sobre a receita, do desconto concedido e do
efeito líquido da modificação do contrato. Para os dois primeiros itens, não
temos nenhuma novidade, são deduções da receita bruta e encontramos previsão
expressa no inciso I do art. 187 da Lei das S.A. e nos incisos II e III do § 1º
do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. Até aí, tudo bem. Mas, no caso do
“ajuste da receita bruta” temos um elemento introduzido no contexto da Lei nº
12.973, de 2014, e que é consequência natural das diferenças entre as receita
bruta e contábil, não contempladas pelas deduções já previstas.
O ajuste da receita
bruta, de fato, é um ajuste e não uma dedução. Comporta valores devedores ou
credores, a depender da natureza da diferença, conforme previsto no art. 26 da
Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017, e deve ser objeto de ajuste (adição
ou exclusão) na determinação do lucro real e do resultado ajustado. O seu papel
é fundamental, pois permite conciliar as visões jurídica e econômica da receita
na escrituração comercial. Em relação aos procedimentos contábeis específicos,
introduzidos ou alterados pelo CPC 47, dentre eles, a modificação de contratos,
esse ajuste também é previsto no anexo IV da Instrução Normativa RFB nº 1.753,
de 2017
Continuando, temos que, no
mês de maio, a diferença total que deveria ser ajustada equivaleria a R$
685.125,00, que nada mais seria do que o somatório da diferença mensal de R$
137.025,00 dos meses de janeiro a maio. Tal diferença mensal corresponderia ao
efeito do desconto total líquido da economia tributária
[(1.800.000,00 – 155.700,00)/12] .
[(1.800.000,00 – 155.700,00)/12] .
Na contabilização
apresentada para o mês de maio, somente teria sido destacada uma única parcela
dos R$ 137.025,00, porque a diferença entre desconto concedido registrado como
dedução da receita bruta e a economia tributária obtida para esse mês
resultaria em R$ 548.100,00, valor que representaria, justamente, a diferença
para os meses de janeiro a abril.
Já para os meses de junho
e julho, observe que teríamos um ajuste da receita bruta positivo no valor de
R$ 411.075,00. Entretanto, perceba que a receita líquida seria de R$
1.689.975,00, refletindo a redução de R$ 137.025,00, valor este resultante da
diferença entre o desconto líquido (R$ 548.100,00) e o ajuste da receita bruta
(R$ 411.075,00).
Toda essa “ginástica”
contábil é necessária para que seja possível registrar na escrituração a
receita bruta e as suas deduções, bem como, a receita contábil, sem violar o
regime de competência.
Outro elemento que merece
comentários é o ativo financeiro, o recebível. Perceba, ele deverá refletir o
valor sob a perspectiva da receita contábil e não da receita bruta, até para
que seja respeitado o regime de competência. Observe que, em maio, por exemplo,
a ABC teria emitido R$ 1.400.000,00 de recebíveis, muito embora a receita
(líquida) tivesse sido de R$ 1.141.875,00. A diferença corresponderia aos
tributos (R$ 121.100,00) e ao ajuste da receita bruta (R$ 137.025,00). Acontece
que, contabilmente, o recebível deve ser mensurado, inicialmente, pelo preço de
transação mais os tributos, ou seja, R$ 1.262.975,00 (1.141.875,00 +
121.100,00), já que, do ponto de vista contábil, à luz do regime de
competência, somente esse valor representaria o recebível da ABC daquele período,
portanto, caso todos os alunos efetuassem o pagamento de acordo com o carnê de
mensalidades (R$ 1.400.000,00), por exemplo, teríamos um adiantamento no valor
de R$ 137.025,00. Esse é um dos efeitos temporais que podem ser observados em
razão do tratamento contábil aplicado para a modificação contratual.
No que se refere aos demais
meses, não haveria que se falar em desconto como dedução da receita bruta. Vejamos
a configuração para o mês de agosto. Ela seria a mesma para os demais meses.
Agosto
|
|
Receita Bruta
|
2.000.000
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(-) Tributos s/Receita Bruta
|
(173.000)
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(-) Ajuste da Receita Bruta – Modificação de
Contratos
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(137.025)
|
Receita
Líquida (Receita Contábil – CPC 47)
|
1.689.975
|
No final do período,
teríamos o seguinte:
2020
|
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Receita Bruta
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24.000.000
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(-) Tributos s/Receita Bruta
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(1.920.300)
|
(-) Descontos concedidos
|
(1.800.000)
|
Receita
Líquida (Receita Contábil – CPC 47)
|
20.279.700
|
Especificamente na
situação apresentada no exemplo, o ajuste da receita
bruta, no final do ano, apresentaria saldo zero e, portanto, não exigiria o seu
encerramento para fins de apuração do resultado do período. Isso porque, as
diferenças temporárias entre as receitas bruta e contábil se restringiriam, unicamente,
ao ano de 2020. Vejamos o razão dessa conta ao longo dos meses de maio a
dezembro.
Ajuste da Receita Bruta Modificação
de Contratos
|
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(mai) 137.025
|
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411.075
(jun)
|
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411.075
(jul)
|
|
(ago) 137.025
|
|
(set) 137.025
|
|
(out) 137.025
|
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(nov) 137.025
|
|
(dez) 137.025
|
|
822.150
|
822.150
|
Por fim, é importante
ressaltar que a aplicação de todo e qualquer método ou critério contábil não
exigido expressamente lei, deve ser ponderado quanto à materialidade[5] da informação que será
produzida, o que nos leva, necessariamente, à avaliação da relação custo x
benefício.
Divulgação
Da leitura do item 110 do
CPC 47, temos que a entidade deve divulgar informações, qualitativas e
quantitativas, que permitam aos usuários das demonstrações contábeis compreender
a natureza, o valor, a época e a incerteza das receitas e fluxos de caixa
provenientes dos contratos com clientes.
No cenário atual, e
considerando o que tratamos no presente artigo, dentre tais informações, destacamos
aquelas pertinentes aos julgamentos contábeis mais significativos e às
eventuais mudanças nesses julgamentos, quando da aplicação dos requisitos
prescritos pelo CPC 47 para os contratos com clientes. Considerando o exemplo
apresentado, deveriam ser evidenciadas as características da alteração
contratual pactuada e as justificativas para o seu enquadramento como
modificação de contrato e para o tratamento contábil aplicado.
É fundamental que haja
clareza na identificação dos contratos que sofreram algum tipo de modificação
ou cuja a identificação, conforme o item 9 do CPC 47, tenha sofrido alguma
mudança, bem como se mostra necessário que os efeitos dessas alterações sobre
os diversos elementos das demonstrações contábeis sejam devidamente evidenciados.
Sempre que possível, essa evidenciação deve respeitar as características e
necessidades dos seus usuários, sobretudo no âmbito das pequenas e médias
empresas, permitindo, assim, que os impactos da crise da covid-19 sobre o patrimônio,
o resultado e os fluxos de caixa das entidades, sejam adequadamente
compreendidos, de modo que a informação contábil produzida seja útil e,
portanto, capaz de fazer a diferença no processo de tomada de decisão.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro
de 1977. Altera a legislação do imposto sobre a renda.
______. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações
COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS
CONTÁBEIS (CPC). Pronunciamento Técnico
CPC 00 (R2) – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro.
______. Pronunciamento Técnico CPC 23 - Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e
Retificação de Erro.
______. Pronunciamento Técnico CPC 47 – Receita de
Contrato com Cliente.
SANTOS, Mateus Alexandre
Costa dos. Divergência entre a Receita
Bruta e a Receita Contábil no âmbito da Tributação do Imposto de Renda das
Pessoas Jurídicas. In: Direito
Tributário e Gestão Corporativa. Org. José André Wanderley Dantas de Oliveira –
Recife: CEPE, 2019.
Notas:
[1] A contraprestação variável, como o
próprio nome já diz, corresponde à parcela variável da contraprestação
prometida pelo cliente no contrato. Tal variação pode advir, por exemplo, de
descontos, abatimentos, restituições, créditos, concessões de preços, incentivos,
bônus de desempenho, penalidades ou outros itens similares. Ela também pode ser
verificada caso o direito à contraprestação depender da ocorrência ou não
ocorrência de evento futuro, por exemplo, no caso em que o produto for vendido
com direito de retorno ou se o valor fixo for prometido como bônus de
desempenho em caso de ser atingido um marco especificado. A contraprestação
variável deve ser estimada quando da determinação do preço de transação (itens
46, 50 e 51, CPC 47)
[2] De acordo com o item 27 do CPC 47,
um bem ou serviço prometido ao cliente é considerado distinto, se ambos os critérios a seguir forem
atendidos: (a) o cliente pode se beneficiar do bem ou serviço, seja
isoladamente ou em conjunto com outros recursos que estejam prontamente
disponíveis ao cliente; e (b) a promessa da entidade de transferir o bem ou o
serviço ao cliente é separadamente identificável de outras promessas contidas
no contrato.
[3] A obrigação de performance
corresponde a cada promessa de transferir para o cliente: (a) bem ou serviço
(ou grupo de bens ou serviços) distinto; ou (b) série de bens ou serviços
distintos que sejam substancialmente os mesmos e que tenham o mesmo padrão de
transferência para o cliente (item 22, CPC 47).
[4] De acordo com o Pronunciamento
Técnico CPC 23 - Políticas Contábeis,
Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, as Políticas Contábeis são os
princípios, as bases, as convenções, as regras e as práticas específicas
aplicados pela entidade na elaboração e na apresentação de demonstrações
contábeis.
[5] De acordo com o Pronunciamento
Técnico CPC 00 (R2) – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro (item
2.11), podemos dizer que se uma informação é considerada material se a sua
omissão, distorção ou obscuridade, puder influenciar, razoavelmente, as
decisões dos seus usuários. Eis que, ainda segundo a Estrutura Conceitual
(item2.11), “a materialidade é um aspecto de relevância específico da entidade
com base na natureza ou magnitude, ou ambas, dos itens aos quais as informações
se referem no contexto do relatório financeiro da entidade individual.
Consequentemente, não se pode especificar um limite quantitativo uniforme para
materialidade ou predeterminar o que pode ser material em uma situação
específica”.
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